Diferenças

terça-feira, fevereiro 23, 2010 Clovisnáilton

Calor - versão gente rica.


Ligou para sua secretária para cancelar a reunião na parte da tarde, marcando para o outro dia, no mesmo horário. Do seu celular, ligou para sua amada, que horas antes estava malhando numa academia na zona sul. Após uma breve conversa, decidiram curtir o dia mais quente do ano num ambiente muito confortável, aconchegante e que conheceram meses atrás, numa viagem de negócios a Búzios.


Dinheiro? No banco, rendendo! Dívidas? Só a do cartão de crédito SEM LIMITES, que no dia combinado irá receber a fatura e quitar, sem medo de ser feliz. E o calor? Ah, o calor que se foda! 


Que tal uma hidro? Um bom vinho? Hummm, perfeito...




Ela é linda, cheirosa, atraente como nunca viu nenhuma outra! Entrou primeiro, preparou a hidromassagem, sais, espuma, pétalas de rosa e já deixou dois roupões felpudos no sofá do banheiro. Coube ao homem escolher o vinho (importado, safra 1982) e trazer as taças. Ela envolta na branca espuma despertava ainda mais o desejo dos lábios, do calor do corpo e das brincadeiras que poderiam fazer naquele lugar. 


Ah, ser rico é bom...








Calor - versão pobre.


O sol comeu no lombo o dia inteiro. Fez mais de 5 masseiras para o feladaputa do pedreiro e ainda descarregou mais de cinqüenta sacos de cimento, guardando na casa de material... e isso tudo só na parte da manhã.


Depois da marmita, cismou que não iria trabalhar na parte da tarde. Mas qual desculpa iria dar? Que a mãe morreu? A avó? Se fosse simular um acidente de trabalho, tinha que ser uma coisa real... mas aí teria que ir para o hospital, teria a tal da CAT, ia ser foda! Mas foda-se, outro emprego de servente ele conseguiria se tudo desse errado. Chegou no supervisor e reclamou que havia quebrado um dente ao mastigar um pé-de-frango e que estava doendo demais. Abriu a boca mostrando que faltava um dente e apontando para um dos vazios: chorou uma lágrima falsa. Comovido, o supervisor dispensou-o na parte da tarde para que marcasse uma consulta odontológica pelo SUS.


Assim que botou o pé para fora da obra, ligou para sua amada. Ligou não, deu um toque no celular. Dois minutos depois, recebeu a ligação da casa da patroa e ficaram trocando palavras doces por quase meia hora. Ao final, combinaram:


- Vem pro meu barraco, nêga...
- Guenta que já tô saindo...


Encontraram-se uma hora e meia depois, ainda na subida do morro. Quinze minutos depois, após cumprimentar a malandragem toda e comprar uma "boínha" no bar, chegaram no barracão.


As contas debaixo da porta, já com o aviso de cancelamento. Catou umas moedas para ver se dava para comprar um quilo de fígado de frango, para a janta de logo mais. E o calor? Ah, o calor que se foda!!


Que tal uma mangueirada? Molhar a goela? Hummm... perfeito!






Ah, ela é gata demais! A mais gata que já pegou. Foi atrás do barracão e buscou o tambor de plástico azul, encaixou a mangueira na torneira e gritou: "ainda bem que não cortaram a água, amorzão". Coube ao macho preparar a bebida: dois copos de cachaça na risca, que sorveram sem fazer careta. Ela, calmamente, trepou no tanque e foi colocando as pernas para dentro do tambor. Ligou a água e, na ponta final da mangueira, se refrescou. Encheu a boca d'água, cuspindo tudo para cima: "igual na praça... chafariz, né?". O homem balançou a cabeça, afirmando, mas estava prestando atenção mesmo era no segundo copo que enchia. Virou na boca! "Arreda um pouco"  - disse. Se acomodaram do jeito que podiam, molhando e afastando o calor do sol que batia naquela laje.


Ah, ser pobre é do cacete...

2 comentários:

Jack disse...

Vou dizer o óbvio: Pobre é una mierda!!!!!

Cleobergson disse...

Muito legal!Um dos melhores posts que vc já fez!kkkk

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