O folgadão do ônibus

quinta-feira, agosto 23, 2018 Clovisnáilton



O brasileiro tem jeito? É... estou falando com você: o brasileiro tem jeito?

Da mesma maneira que penso que sim, naquele restolho de esperança que ainda insiste em se manter viva em nossa mente, achando que sim, que o brasileiro tem jeito sim, que esse é um país que vai pra frente, que vamos criar um mundo novo nessa terra varonil... vem, de repente, um banho de água fria logo quando acordamos para ir pro trabalho e, assustados, despertamos para a realidade que nos cerca.

Hoje pela manhã estava no ponto do meu ônibus, que estava vazio (incrível) pois havia passado um coletivo meio segundo antes de eu chegar, quando, no horizonte, vejo outro vindo. Olhei, incrédulo, e vi que o ônibus estava vazio.

Sabe qual a chance disso acontecer às 6 da manhã? Quase quanto as chances que a gente tem de ganhar a Mega-Sena.

Dei sinal, eu e uma senhora de uns cinquenta e tantos anos entramos. Ela pagou a passagem, rodou a roleta e tomou um assento. Eu, na roleta, vi que haviam dois lugares ainda vagos no ônibus: um no centro e outro perto da porta de saída. Passei a roleta e, quando cheguei no primeiro assento vazio, ele não estava vazio. Em cima do banco havia uma mochila e, ao pé, uma mala de viagem vermelha. O dono olhou para mim e voltou a olhar para janela, como se buscasse algo na rua. Lembro que falei algo, tipo sussurrando e demonstrando minha indignação, e fui sentar no último lugar, perto da porta de saída.

O ônibus seguiu viagem e outras pessoas entraram. Muitas, como eu, da roleta já viam o "lugar vago" e encontraram a mala e a mochila tomando o assento. Ninguém se dispôs a falar com o cidadão - muito menos eu - para que se tocasse, que colocasse a mala e a mochila no corredor e cedesse o lugar para outra pessoa.

Na realidade, naquela realidade presente e palpável diante dos meus olhos (e sentado no meu assento), pude perceber que o povo está receoso de exercer até mesmo a sua liberdade de expressão. Mas também, pudera, não sabemos quem é o próximo. Não que aquele cidadão, Deus me livre, que estava extrapolando de seu direito (poxa, o cara estava utilizando dois assentos num coletivo com várias pessoas fazendo a viagem em pé) fosse um autêntico "sem educação", mas quem sabe um sem-noção das regras mais básicas de convivência numa sociedade. Acho que, de tanta violência que presenciamos na televisão, nos noticiários e etc, o povo tem até mesmo receio de cobrar, destas pessoas, o simples respeito às regras. Eu teria! Aliás, eu tive! Quem era aquele sujeito? Não sei. Pois se estava tão seguro que ele poderia estar fazendo o que estava fazendo, com certeza também poderia refutar, às vezes com violência, uma solicitação de que tirasse a mala e a mochila do lugar reservado à uma pessoa, não é? Via das dúvidas, deixe as malas seguirem tranquilamente sua viagem, no conforto do assento destinado àquelas pessoas que pagaram, caro, suas passagens.

E o ônibus seguiu viagem, os passageiros entravam, olhavam as malas, calavam e seguiam bovinamente em pé até o destino final.

Complicado, não é? Agora te pergunto: nós, como raça humana, temos jeito?

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