Contos da Mega-Sena

terça-feira, março 16, 2010 Clovisnáilton


- Ora, eu passei naquela cidade.

Assim que ouviu a reportagem do prêmio da Mega-Sena, ainda não retirado, na cidade de Macaé, interior do Rio de Janeiro, lembrou que havia feito um ou dois cartões numa casa lotérica. Não era muito de jogar, mas como teria que pagar uma conta de celular, atrasada, e o prêmio era, podemos dizer, apetitoso, convenceu-se que poderia sim testar a sorte.

Rogério era vendedor de cosméticos. Trabalhava viajando, fazendo quase sempre o trajeto do sul de Minas, um pedaço de São Paulo e, vez em quando, algumas cidades do Rio de Janeiro. Aurora, sua esposa, era professora primária e trabalhava duro a parte da manhã e da tarde. Queria também dar algumas aulas à noite, mas teve que desistir da idéia após o nascimento dos filhos, João, de 5 anos, e Joana, que faz 3 em setembro. Eram felizes, levavam uma vida regrada, sem muito luxo, mas com muito conforto.

Parou o carro e conferiu a carteira. Seu jogo não estava lá. Onde o colocou? Forçou a memória enquanto engatava a segunda, ganhando a rodovia. Será que estaria junto daquela conta telefônica? Ou guardara no criado mudo? A cada sinal de trânsito fechado, ameaçava fazer um telefonema para a babá, para que procurasse o bilhete. Resolveu não fazer alarde: "vai ver que nem ganhei" - pensou. Mas o pensamento não saía da cabeça. Com aqueles milhões poderia aposentar aquela vida sofrida de viagens, de maus negócios e de pouca renda. Tiraria a esposa do colégio, daria a seus filhos inúmeros brinquedos, roupas novas e até um cachorrinho. Maltês? Ou um cão maior, tipo Labrador? Labrador é manso e ele sempre gostou de cachorro. Um labrador, preto... ou amarelo? Golden. Sim, era Golden retriewer. João iria adorar.

Quase quatro da tarde, o último cliente. Um salão de beleza, chique, na zona sul da cidade de Taubaté. Míriam o atendeu, atenciosa como sempre. Comprou quase o de sempre, não mudou muita coisa do pedido que tinha em mente. E a mente de Rogério estava longe, em casa, mais precisamente dentro do criado-mudo do seu quarto. Será que foi ali que guardara o cartão.

Mudou os planos da viagem. Cancelou o hotel e voltou para sua casa, o mais rápido que seu automóvel poderia fazer. Aurora alegou-se em vê-lo em casa, assim como seus filhos. Abraçou-os, largou a mala ainda na sala, no banheiro lavou o rosto e, depois, procurou o cartão da Mega-Sena. Ligou o computador pensando no labrador, digitou o site da Caixa pensando nas férias, merecidas, que sua família iria ganhar, procurou o concurso já pensando em como diria ao seu chefe a sua demissão... os números não eram aqueles!

Conferiu novamente, concursos, os seis números, os doze que tinha nos dois recibos da aposta. Nada! Os filhos brincavam na sala, a esposa na cozinha, esquentando o jantar. Rogério entrou no banheiro, ligou o chuveiro e deixou suas lágrimas misturarem na água quente que escorria pelo ralo.

Não foi ainda desta vez...

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