Cidade na Espanha inventa "loteria do trabalho" para driblar crise

segunda-feira, setembro 30, 2013 Clovisnáilton

O dia em que José Antonio Pérez Zembrana, 32, ganhou na loteria aqui em Alameda, na Espanha, ele não pulou de alegria nem gritou.
Ele ficou feliz, é claro. Mas em torno dele, aqui nessa aldeia do sul da Espanha, há muitas pessoas que também poderiam tirar proveito do prêmio: uma vaga de dois meses de trabalho vendendo ingressos na piscina municipal.
“O que é que eu vou fazer com o dinheiro desses dois meses de trabalho?”, perguntou Pérez, que já trabalhou em uma fábrica de alumínio, mas que, recentemente, está trabalhando sentado atrás de uma frágil mesa dobrável na entrada da piscina. “Eu vou fazer o seguinte: não vou gastar tudo. Vou economizar parte do dinheiro para os tempos difíceis que virão depois”.
Em Alameda, onde a taxa de desemprego está próxima de 50%, o prefeito da cidade, Juan Lorenzo Pineda Claverías, adotou uma nova abordagem de contratação para preencher muitos dos postos de trabalho disponíveis no município. Uma vez por mês, ele retira pedaços de papel dobrados de dentro de um recipiente de plástico transparente para decidir quem irá trabalhar. O evento é público e é coberto pelo canal de TV local para que todos possam ver que não há nenhum tipo de fraude no sorteio.
Quando Pineda foi eleito, em 2008, a crise econômica da Espanha estava apenas começando, e a criação de uma “loteria do trabalho”, que geralmente sorteava vagas para períodos de um mês, pareceu-lhe uma maneira tão boa quanto qualquer outra de distribuir postos de trabalho de maneira justa quando eles ficavam disponíveis. Esse sistema, segundo ele, também seria um sinal claro de que seu governo não teria corrupção.
A primeira vez que Pineda realizou o sorteio, havia cerca de 30 nomes no recipiente concorrendo a algumas vagas para trabalhar na limpeza durante um mês. Agora, depois de quase seis anos de recessão, existem cerca de 500 pessoas na lista de candidatos para o mesmo número de postos de trabalho.
Aqueles que participam dos sorteios se sentam em cadeiras de encosto duro, em uma sala localizada no andar de cima da modesta prefeitura de Alameda. O silêncio domina o ambiente. Pineda diz que, quando tira os olhos dos pedaços de papel e encara as pessoas que estão assistindo os sorteios, ele sempre vê dois tipos de expressão. “A primeira é a de ansiedade, que eu vejo nos rostos das pessoas que realmente precisam dos empregos”, disse ele. “A outra é a expressão de incredulidade, quando os sorteados percebem que têm um trabalho”.
Às vezes, um dos vencedores grita. Mas geralmente, diz Pineda, não há nenhuma celebração evidente. As pessoas estão conscientes demais sobre a dor que há em torno delas para comemorar. Segundo Pineda, conduzir os sorteios da loteria também acabou não se revelando uma tarefa especialmente agradável para ele. “Não há nenhum prazer nos sorteios, pois sei que os empregos não são suficientes”, disse ele . “Há muito poucos rostos felizes na plateia”.
A aldeia sorteou cerca de 35 postos de trabalho no ano passado. Em alguns casos, como para as posições de salva-vidas, os candidatos tiveram que mostrar que eram qualificados. Pineda também herdou cerca de 20 funcionários em tempo integral na prefeitura, que não foram afetados pela política da loteria dos empregos.
Na piscina, o amigo de Pérez, José del Pozo, de 33 anos, puxou uma cadeira e se sentou ao seu lado para lhe fazer companhia. Del Pozo, que atuava como estucador, não consegue trabalho no setor de construção há três anos. Ele também não teve sorte no último sorteio. Mas sua hora vai chegar. Os vencedores do sorteio não podem participar do processo novamente até que todos os outros nomes da lista tenham sido sorteados.
Nesse ínterim, Del Pozo nem mesmo espera que seu amigo pague a próxima rodada de drinks no bar local. Ele compreende que todo mundo tem problemas financeiros nos dias de hoje.
“Antes”, disse ele, “as pessoas eram generosas. Mas agora, quando chega a hora de pagar, todo mundo corre para o banheiro”.
Pérez teme o fim do mês, quando seu período de trabalho acabará. Apontando com a cabeça para os outros trabalhadores ao seu redor, ele diz: “Então, nós vamos voltar à rotina de não fazer nada”.
Nos últimos cinco anos, a vida mudou muito nesta aldeia de 5 mil habitantes, assim como em muitas regiões da Espanha, país que tem sofrido com uma recessão de proporções históricas.
Pineda, membro do pequeno partido Esquerda Unida, diz que muitas pessoas da cidade estão abatidas devido a tudo o que aconteceu à economia local. Mas Pineda está tentando criar ainda mais postos de trabalho para poder sorteá-los também.
Alameda alugou alguns terrenos agrícolas e está produzindo alho e aspargos, na esperança de transformar essas culturas em um negócio rentável ou, pelo menos, em uma atividade que não dê prejuízo. Pineda também começou a desenvolver um pedaço de terra nos arredores da cidade, que ele espera que venha se transformar num pequeno parque industrial.
“Se algum maluco quiser começar um negócio nesse tipo de ambiente econômico”, disse ele brincando, “nós estaremos prontos, e a terra aqui será barata”.
Tradutor: Cláudia Gonçalves

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