Contos da Mega-Sena

terça-feira, junho 14, 2011 Clovisnáilton


O cego da Afonso Pena

Tinha uma sorte danada para o jogo a Dona Zuleica. No bingo da quermesse, desde pequena, ganhava sempre os melhores prêmios. Depois, já adulta, era assídua na Loteria Esportiva, mesmo contrariando os ditames da época, que diziam que futebol não era para mulher. Adorava acompanhar o esporte e furar a cartela, pagando na lotérica e acompanhando o resultado pela zebrinha do Fantástico. Passaram os anos e Dona Zuleica teimava na sorte, vez ou outra sempre acertando ternos da Quina, algumas quadras na Mega-Sena e sempre trocando bilhetes da Federal e da Mineira. 

Um dia, passando pela Afonso Pena, próximo à rodoviária, uma cigana pulou na sua mão. Resistente à oferta da leitura da palma de sua mão, deixou de lado quando ouviu da boca da outra senhora, maltrapilha, que a sorte viria das mãos de um cego. A cigana falou outras bobagens, mas Dona Zuleica só pensava na frase "do cego" e da sorte. Será? Seria aqueles cegos que vendem bilhetes na Rua da Bahia e adjacências que lhe dará a sorte grande?

Deixou de fazer seus joguinhos na loteria e passou a comprá-los das mãos dos cegos. Gastava o dobro, mas pra ser milionária, isso valia a pena. E foram muitas e muitas tentativas, sempre esbarrando nos ternos que não valiam nada, nos duques e naqueles números jogados solitários entre os bilhetes comprados.

Um belo dia, quando ia atravessar a famosa avenida da cidade de Belo Horizonte, viu um cego tentando passar para o outro lado também. Não titubeou e ofereceu ajuda. O sinal abriu e o cego pegou a sua mão, levando-a ao seu órgão genital. Dona Zuleica enrubesceu, ficou atônita, tentava tirar o braço e sua mão, e o cego, tarado, forçava o encontro de sua mão com o seu pau que estava praticamente saindo por cima da calça. Pensou em bater com a bolsa na cara do cego, mas em meio à uma Afonso Pena repleta de gente? Como? O tarado sem visão forçava mais o contato e Dona Zuleica, atordoada, não sabia se gritava, se chorava, se estapeava o cego ou se voltava pra trás, deixando o pobre diabo à sua própria sorte em plena avenida. Chegaram do outro lado da avenida, metros percorridos em pânico. O cego tarado bateu sua bengala no chão e seguiu para o Parque Municipal enquando Dona Zuleica retomava o fôlego, sentindo a ira subir do estômago à boca. Maldizeu o deficiente em silêncio enquanto seguia para a Rua da Bahia, ponto onde sempre comprava seu jogo da Mega.

- Desta vez não - pensou ela. Basta um cego, basta!

Foi embora resolver suas coisas, remoendo o ódio pelo cego tarado da Afonso Pena.

Naquela quarta-feira, Adamastor, que trabalhava no Edifício Arcângelo Malleta, ganhou a Mega-Sena. Ele havia comprado o bilhete que seria da Dona Zuleica, da mão do cego que não tinha nada à ver com a história.

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