70 milhões
Acordou na quinta-feira, cabeça inchada de tanta cerveja. Abriu os olhos, remelados, pôs-se sentado na cama, caçou as havaianas. Uma estava embaixo da cama. Praguejou, agachando e esticando o braço, buscando de volta o chinelo faltante. Arrastou os dois pelo chão de cimento grosso, até chegar ao banheiro. Levantou a tampa, mijou. Deu vontade de cagar, mas primeiro tinha que fazer o café e pegar alguma coisa para ler. Sem lavar as mãos, colocou água no fogo, café no coador, errou - como sempre - o açúcar e o negócio ficou doce para burro. Correu para pegar o cigarro no quarto, quase cagando na calça, e o jornal do dia. E que dia! Olhou para o teto sem rebocar, para aquele banheiro mofado e pensou: nunca mais aqui, nunca mais!
Se limpou e entrou no chuveiro. Gastou o dobro do tempo, ensaboando, cantando, sonhando. Seria uma mulher ou um homem o gerente que iria atendê-lo? Buscou no armário a melhor roupa, a mais cara. Calçou o tênis do Paraguai, presente da ex-mulher no Natal de 2008, pegou a carteira e conferiu, mais uma vez, o bilhete premiado. O coração bateu mais forte quando, pela centésima vez, recitou, na mente, a seqüência dos seis números. Seis números, setenta e um milhões, trezentos e trinta e sete mil, oitocentos e quarenta e três reais e sessenta e dois centavos. Quanta sorte em seis únicos números? Tanto tempo perseguindo o prêmio máximo, e desta vez, ele havia, enfim, conseguido. Conferiu o nome, seu nome, escrito no verso do bilhete, juntamente com o número do CPF: "este é meu, ninguém tasca". Tomou mais um gole de café, fechou a casa, pegou o caminho para a Caixa Econômica mais próxima, na Rua Principal, centro da cidade.
Chegou, se apresentou. Foi bem recebido, aceitou o café ofertado. Bilhete para cá, papeis para abertura de conta pra lá, ofertas de investimento. Queria algum para colocar na carteira: "uns dez mil tá bom". Novamente, apertos de mãos e ganhou a rua. Parou um táxi.
- Para onde?
- Para o mundo...
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