Contos da Mega-Sena

quarta-feira, junho 08, 2011 Clovisnáilton


O Bombeiro

Vocação. Esta era a palavra que dava para sua esposa, em todas as vezes que discutiam sobre dinheiro e a falta dele na vida do casal. Abigail pedia para ele considerar a opção de trabalhar com o primo, que era taxista na cidade do Rio de Janeiro ou tentar a sorte em outro trabalho, menos perigoso, mas que rendesse mais dinheiro para sustentar a família. Sua filha mais velha já estava no segundo período da escola pública e um garotinho estava para chegar, em dezembro. 

Vocação, esta era a palavra dada e pronunciada por Eduardo, soldado do fogo fluminense, que torcia para o Flamengo e tinha como ídolo o Galinho de Quintino, quando recebia seu contra-cheques, com aqueles míseros trocados que chamavam de salário. Arriscava sua vida salvando outras vidas e aquela era a sua paga. Sempre sonhou em ser bombeiro, desde pequeno, quando ganhou um caminhão do tio Afrânio. De lá pra cá, sempre se empenhou em seguir este sonho e, em 2005, finalmente entrou na corporação. Casou-se em meados de 2009, já com sua filha com poucos anos, mudou para um quarto-sala em Realengo e hoje sua batalha é contra o baixo salário que a categoria, heróica, recebe do Estado.

Havia uma conta para pagar. Contou os últimos trocados e foi à uma casa lotérica. Lá, por insistência da atendente, levou um bilhete da Mega-Sena: "não tenho sorte com jogo", mas mesmo assim se deixou levar pelo pensamento positivo. "Mudar de vida, levar minha família para morar em outro lugar, menos violento, dar o bom e o melhor para os pais..." foram alguns poucos pensamentos na volta para casa, depois do seu turno. Passou na padaria, levou duas bisnagas. Encontrou sua esposa lhe esperando, com uma má notícia: o senhorio precisava da pequena casa para o filho, que vivia em Uberaba, vir com ele morar.

A vida de todo brasileiro é sofrida, Eduardo disso sabia. Já enfrentou muitas situações difíceis e de todas, de todas, obteve êxito. O bilhete da Mega-Sena na carteira - pensou - poderia ser seu passaporte para uma vida melhor. 

Era noite de quarta-feira. No outro dia, quando pegou plantão, já com seu uniforme, pegou o jornal do colega e conferiu seu jogo: não havia ganho! Pensou na vida, nas dívidas, na esposa grávida, na linda filha que começava agora à ler e pensou na pequena casa que teria que deixar. Antes mesmo de comentar com o companheiro a situação que se encontrava, a sirene do quartel tocou e todos puseram-se em ação: em ordem, entraram no caminhão que, com a sirene ligada, ganhou as ruas da cidade: alguém precisava de ajuda.

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