Contos da Mega-Sena

segunda-feira, março 21, 2011 Clovisnáilton


Gosto de sabonete na boca

Gumercindo era um cara normal, que tinha um emprego normal, uma vida absolutamente normal, com seu emprego normal, seus amigos - uns normais, outros nem tanto - e uma família, normalíssima, que sempre via aos finais de semana. A única coisa que desabonava o caráter do jovem mancebo e que ele adorava um rabo-de-saia, principalmente se a mulher fosse casada.

Uma bela noite teve um sonho. Um sonho, quase como uma visão, mas um sonho! Nele, Gumercindo conversava com uma pessoa que nunca antes viu na vida, e esta lhe dissera para cuidar da língua e que toda vez que sentisse um gosto de sabonete na boca, alguma coisa iria acontecer, de bom ou de ruim.

Acordou e riu. Foi ao banheiro do seu singelo apartamento, olhou para o sabonete e pensou: "como assim, sabonete?" e riu novamente. Pensou em provar, passar na língua, mas não... era loucura demais.

Passados alguns dias, Gumercindo quase foi atropelado. Como nas revistas do Homem-Aranha, ele, ao atravessar a rua, sentiu um gosto estranho na boca, como um sentido do herói aracnídeo! Melancia? Não... era um gosto estranho... SABONETE! Olhou, então, um caminhão em alta velocidade vindo em sua direção! Pulou como nunca havia pulado na vida, se ralou todo no passeio, mas estava vivo. O caminhão não parou, muito pelo contrário, ganhou mais velocidade e sumiu naquela extensa avenida.

Lembrou do sonho. Gosto de sabonete na boca. Andou, ainda tremendo pelo susto que passou quando, em frente à uma lotérica, novamente, o gosto acentuou na sua língua. Olhou a faixa: Mega-Sena Acumulada! Milhões, milhões, milhões como nunca pensou em ganhar. Tirou o dinheiro de uma aposta da carteira e preencheu a cartela! O gosto de sabonete passou logo após entregar os dois para a caixa! Guardou e foi curar dos machucados!

No outro dia, seus números, aqueles números que marcou enquanto inebriado pelo gosto de sabonete na boca, apareceram na tela do computador. Milionário. Gumercindo - o milionário!

O gosto de sabonete na boca ainda o impediu de entrar num jatinho (que teve problemas durante uma viagem à uma cidade do interior de Mato Grosso e pousou, sem vítimas) e ainda de faturar alguns dólares durante uma viagem à Las Vegas, mas infelizmente não o livrou de ser morto por um marido extremamente ciumento.

É que Gumercindo se engraçou com uma mulher casada, muito, mas muito bonita. Entraram num luxuoso motel, ela foi ao banheiro para se higienizar e os dois se atracaram num vigoroso 69. Ele sentiu, sim, o gosto de sabonete na boca... mas achou que fosse somente o sabonete do motel. O raivoso e traído marido arrombou a porta logo a seguir e alvejou os dois, nús em pêlo, em pleno ato sexual! 

Gumercindo era um cara normal, com um dom anormal de ter o gosto de sabonete na boca, que lhe alertava de coisas boas e más que estavam para acontecer e que adorava uma mulher casada. Antes do último suspiro, amaldiçoou aquele maldito cunnilingus com gosto de sabonete que lhe tiraste a vida!

- Ah, se ela fosse porquinha...

0 comentários:

Postar um comentário