1 ano depois: Novo Hamburgo

terça-feira, fevereiro 22, 2011 Clovisnáilton

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"Milionários" por um dia, apostadores lutam por Mega-Sena

Há um ano, eles ganharam o prêmio, mas a lotérica não registrou o pedido. “Virei motivo de chacota", diz um dos apostadores

Daniel Cassol, iG Rio Grande do Sul | 20/02/2011 10:30

20, 28, 40, 41, 51 e 58. Quando o corretor de seguros Roberto Hoffman viu a sequência de números no bolão oferecido pela lotérica Esquina da Sorte, em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, não teve dúvidas em tentar o prêmio de R$ 53 milhões. Eram algumas das dezenas nas quais apostava semanalmente. 28 era o aniversário dos filhos. 40, a idade da esposa. 20, o aniversário da filha mais velha, que completou 13 anos naquele 20 de fevereiro de 2010.
Foto: Daniel Cassol/iGAmpliar
Jadir de Quadros, um dos apostadores de Novo Hamburgo: "Ainda planejo o que vou fazer com o dinheiro"
Há um ano, enquanto comemoravam o aniversário da menina com um passeio em Gramado, na Serra Gaúcha, Roberto e a esposa Eliana não sabiam que tinham sido milionários pelo período de um domingo. Foi lendo o jornal na segunda-feira, já em sua casa em Novo Hamburgo, que Roberto recebeu a notícia, acordando a esposa aos gritos. Mas logo percebeu que alguma coisa estava errada: a Caixa Econômia Federal anunciava que o prêmio do concurso 1155 tinha acumulado.
A lotérica Esquina da Sorte, que hoje deu lugar a uma loja de doces, não registrou a aposta coletiva que daria a cada um dos apostadores cerca de R$ 1,35 milhão. Estelionato, para a Polícia Civil, e 365 dias de constrangimentos e espera para os apostadores e suas famílias.
Passado um ano, 32 pessoas aguardam uma decisão da Justiça Federal de Novo Hamburgo, onde corre o processo cível. O proprietário da lotérica, José Paulo Abend, e a funcionária Diane da Silva, que teria sido responsável por não registrar a aposta, respondem a processo criminal por estelionato. Não se sabe se é o caso da lotérica de Novo Hamburgo, mas em alguns lugares as apostas coletivas funcionam como uma espécie de “caixa 2”: uma parte dos valores das apostas é desviado para a própria lotérica, que não repassa o dinheiro devido à Caixa. A agência foi descredenciada e fechou as portas.
Os advogados dos apostadores sustentam que as lotéricas são uma extensão da Caixa Econômica Federal, que, além disso, nunca coibiu as apostas coletivas e, por isso, deve pagar o prêmio. “Nunca foi dito que não se comprasse o bolão. Na segunda-feira, depois da polêmica, colocaram um cartaz na lotérica alertando que era proibido”, diz a advogada Jos Mari Peixoto, que representa 22 pessoas no caso.
A tendência é de que a decisão em primeira instância saia ainda no primeiro semestre deste ano, mas todos sabem que o processo deve se arrastar por muito mais tempo. Há pouco tempo, os apostadores receberam uma boa notícia: a Justiça manteve a Caixa como parte do processo, após tentativa do banco de ser retirado do caso. “Dentro da lei, existem muitas possibilidades”, afirma Jos Mari, otimista.
“A Caixa nunca proibiu o bolão”, diz representante das lotéricas
Depois do caso, a Caixa apertou a fiscalização contra a prática das apostas coletivas nas agências lotéricas. Campanhas publicitárias alertam os clientes para a necessidade de terem em mãos o comprovante oficial da aposta.
Antiga prática no Brasil, o bolão nunca foi oficializado pela Caixa, que se exime da responsabilidade pelo erro ou má fé da lotérica Esquina da Sorte. “A única forma regulamentada pela Caixa para a comercialização das loterias federais de prognósticos é mediante a entrega, no ato da aposta, do comprovante emitido eletronicamente pelo terminal de apostas”, informa o banco, por meio de sua assessoria de imprensa.
Em 2010, a Caixa emitiu 507 avisos de irregularidades, 301 comunicados de penalidade e aplicou 653 penalidades em lotéricas. “Antes ou depois do ocorrido em Novo Hamburgo, a Caixa sempre aplicou as penalidades cabíveis no caso de comprovar a prática de irregularidades na prestação dos serviços delegados”, diz a nota enviada à reportagem.
Não é o que diz, por exemplo, o presidente do Sindicato dos Lotéricos do Rio Grande do Sul, Paulo Michelon. Segundo o representante do setor, as lotéricas eram inclusive orientadas sobre como proceder quando a aposta vencedora era um bolão. “A própria Caixa nos orientava, nunca nos proibiu. Era legal, mas não tinha regulamentação”, afirma Michelon, o que reforça a tese dos apostadores quanto à responsabilidade do banco.

Foto: Daniel Cassol/iG
No local da lotérica Esquina da Sorte, em Novo Hamburgo, hoje funciona uma loja de doces
Depois do ocorrido em Novo Hamburgo, a Caixa começou a analisar a regularização da aposta coletiva. O projeto está sendo analisado pelo Ministério da Fazenda, órgão responsável pela regulamentação das loterias federais.
A expectativa dos lotéricos é de que o processo seja concluído até o mês de junho. Segundo Michelon, as apostas coletivas representam pelo menos 30% do faturamento das casas lotéricas, que passaram a ter dificuldades financeiras depois do aperto na fiscalização. “É uma fonte de recursos importante, porque todo mundo quer jogar, principalmente quando o prêmio está acumulado”, diz Michelon.
“Virou motivo de chacota”
Enquanto isso, os moradores de Novo Hamburgo que tiveram o “azar” de serem sorteados no polêmico bolão adiam os projetos e convivem entre o stress da espera e o constrangimento com as piadas na cidade.
O motorista Jadir de Quadros passou o último ano em função da aposta frustrada. Busca informações, reúne recortes de jornais, atua como um porta-voz informal do grupo de apostadores e procura manter contato com a maioria deles. “Planejo até hoje o que vou fazer com o dinheiro”, afirma Jadir, que pretendia reformar seu sítio e investir em uma frota de carros. Como trabalha na rua, ainda sofre com as piadas sobre o dinheiro que nunca veio. “Virou motivo de chacota. Na rua, me perguntavam se eu já estava milionário. Hoje, já falam com tristeza, porque viram que o dinheiro não saiu”, conta.
O mesmo problema tem o vendedor Luís Fernando Brunes, outro apostador. “É muito ruim para trabalhar, porque os clientes querem saber de tudo”, reclama. Morador da periferia de Novo Hamburgo, ele chegou a sair de casa com a esposa e os filhos durante o auge da polêmica, por questões de segurança. Hoje, procura se manter informado do andamento do processo. “Isso me ocupa bastante, estou sempre acompanhando”, afirma. Mesmo assim, mantém a esperança de que um dia seja contemplado pela sorte. No final do ano, ele mesmo organizou um bolão da Mega-Sena da Virada entre os parentes. “Mas fiz diferente, peguei o comprovante e entreguei uma cópia para cada um”, relata.
Para o casal Roberto e Eliana, a preocupação maior é com os filhos, alvo das brincadeiras na escola. Eliana diz que o marido perdeu a motivação para o trabalho e não consegue esquecer o que aconteceu no dia 20 de fevereiro do ano passado. Mas Roberto seguiu apostando regularmente na Mega-Sena. “Eu vou ganhar de novo”, garante.

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